CLICK HERE FOR ENGLISH VERSION
Sempre me posicionei contra qualquer tipo de discriminação, mas acabei experimentando um bocado de preconceito no Remote Year. E não foi nada fácil de digerir…
Eu queria fazer um post mais leve hoje, contar uns truquezinhos de beleza que aprendi pela estrada afora ou compartilhar algumas das imagens incríveis que vejo aqui no Sri Lanka. Só que, logo cedo, me deparei com uma série de memórias amargas de minha experiência no Remote Year.
Isso porque li o relato de um de meus colegas do grupo, o Haseeb Rabbani. Ele escreveu sobre as razões que o motivaram a deixar o programa ao final do terceiro mês, incluindo um dos temas que também influenciou minha decisão de seguir viajando sozinha:
o preconceito.
Hasseb é Paquistanês-Canadense e Muçulmano. No depoimento, ele se definiu como Marrom e falou do estigma da Islamofobia — algo incomum no Brasil, já que que não passamos por episódios de terrorismo como os recentes atentados na França e EUA.
Até então, eu também não via isso como algo comum.
Sempre cultivei amizades de todas as cores e estilos em São Paulo. Meu paladar não sabia bem distinguir o gosto do preconceito social e racial. Mas, sim, a branquela aqui virou Latina por lá e teve que engolir um bocado dessa gororoba:
“The thing is: you can’t just “add some” diversity on top like sprinkles on your McSundae. It has to be engrained in the culture and the mindset from the start” Haseeb Rabbani
(O lance é que você não pode simplesmente “acrescentar uma pitada” de diversidade, como se fossem confeitos na cobertura do seu McSundae. Ela tem que ser enraizada na cultura e mentalidade desde o início).
A falta de diversidade foi uma das minhas primeiras decepções quanto ao Remote Year.
Eu me inscrevi no programa com a expectativa de participar numa comunidade composta por gente de diferentes nacionalidades, profissões, idades e estilos de vida.
Na real, me deparei com uma grande turma de americanos ou pessoas “aculturadas” nos Estados Unidos. E, pior, em pouco tempo me senti dentro de um daqueles filmes de high-school que eu fazia questão de NÃO assistir na Sessão da Tarde.
Se no Brasil eu sempre transitei tranquilamente entre os Ricos & Famosos, lá eu estava mais para Maria do Bairro, só pra continuar nas citações de cultura pop.
Desde o início, senti que alguns dos participantes mantinham uma certa distância cordial. Eu achava que era algo pessoal, que fulano(a) simplesmente “não fosse com a minha cara”. Nessa época a maioria das pessoas era super entusiasmada comigo. Assustadoramente entusiasmada, devo dizer.
Nunca ouvi tanto o meu nome quanto no primeiro mês, em Praga – com sotaque americano e sem as costumeiras abreviações: Fê, Fer ou Nanda.
Eles repetiam Fer-nan-da com o mesmo brilho nos olhos que depois notei no jeito que falavam Bali (enrolando a língua, num som parecido com bóulllli), igualmente excitados com o exotismo de conhecer uma stylist brasileira ou uma ilha na Indonésia.
Passado meu choque inicial, várias dessas pessoas acabaram se tornando amigas ou, pelo menos, colegas com mútuas afinidades, como o Haseeb.
Se eu colocasse essa turma num gráfico em forma de pizza, haveriam vários pedaços coloridos (pra quem gosta de rótulos, vá lá, isso engloba negros, orientais, gays, lésbicas…) e apenas uma fatia fininha representando a tal da elite branca americana – mas composta por pessoas muito, muito bacanas.
Já aqueles que se achavam “o último teco de queijo suíço” não entrariam nessa pizza por puro preconceito de se misturarem com uma latina sem grana.
Até tivemos oportunidades de dividir o mesmo espaço nos workspaces e acomodações providos pelo programa e trocar algumas palavras em restaurantes ou passeios, mas nunca deixei de sentir a tal distância que, depois de um certo tempo, também preferi manter.
Às vezes a atitude preconceituosa vinha em forma de condescendência, o que para mim era ainda mais intragável.
Em seu post ultra sincero e completo, Haseeb apresentou estatísticas inversamente proporcionais às da minha pizza.
Ou seja, o tipo de participante que era maioria entre os selecionados para o programa fazia parte da minoria no meu círculo de relacionamentos.
Eu continuei no Remote Year por mais tempo que meu colega e ainda não atingi o mesmo distanciamento emocional para falar de algumas camadas mais profundas dessa experiência.
Mas quis adiantar aqui porque senti meu estômago revirar no final do texto dele.
Não que eu tenha notado olhares assustados pelas ruas, como ele comentou. A primeira vez que eu experimentei uma sensação parecida com isso foi dentro da própria comunidade. Algo sutil, mas malignamente poderoso. Como se uma barreira invisível me separasse de algumas pessoas, sem que eu visse motivos para ficar de fora.
Demorei admitir que isso era preconceito e o quanto o meu lado da barreira era desconfortável.
Antes bateu culpa, insegurança, negação.
Coloquei meus próprios instintos em dúvida, achei que era coisa da minha cabeça… Só que não era. Por isso mesmo senti a necessidade de me abrir também. Porque, em minha breve e pontual “degustação”, pude sentir o quanto o preconceito é intoxicante.
Beijos, Prats