Desculpem o spoiler, mas este não é mais um post sobre os famosos saltos da ponte de Mostar – a principal atração turística da Bósnia. Quero compartilhar o que encontrei num modesto mergulho pela história do país, através das histórias de quem vive por lá. Essas pessoas, que ainda carregam resquícios de guerra no DNA, me mostraram algo que desejo muito para o Brasil…
“Não vou conseguir te explicar as causas dos conflitos na Bósnia, porque até hoje isso é confuso para mim. Só posso dizer que não me sinto satisfeito, mas espero que a gente continue em paz. Ninguém mais quer brigar. Sei que você fará essas perguntas para muitas pessoas e cada uma lhe dará respostas diferentes. Mesmo assim, eu acho que o sentimento de todos será parecido. O que mais importa agora é o futuro de nossos jovens”.
Com inglês limitado e uma grande clareza de raciocínio, o caminhoneiro que me disse essas palavras resumiu muito bem o que, de fato, aconteceu em minhas conversas. Da senhorinha que transformou sua casa num bem cuidado hostel em Mostar ao guia turístico que teve banda de rock em Sarajevo, ambos com idade suficiente para vivenciar mudanças e conflitos desde a época em que a Bósnia fazia parte da Iugoslávia. E da jovem mãe ao engenheiro nascido em plena guerra dos anos 90, cujo trabalho é entregar computadores com uma van, chegando a rodar 800 km por dia no diminuto país. Cada uma dessas pessoas baseou seu depoimento numa faceta muito particular da história. Como previsto, todos demonstraram a mesma disposição de se respeitarem mutuamente, para que as futuras gerações vivam em paz.

Ruínas do Século XX
Antes de entrar nesse tema, quero deixar claro que esta é uma visão geral do que levantei em depoimentos, pesquisas e releituras. Não sou nenhuma especialista em história, por isso recomendo que você leia as referências linkadas no final do post, se quiser se aprofundar no assunto.
A Bósnia passou boa parte dos anos de 1900 em guerra. Desde que a capital, Sarajevo, foi o palco onde Franz Ferdinand se tornou a primeira vítima de uma Guerra Mundial – não a banda, mas um personagem histórico de quem talvez você não se lembre – até que a paz fosse selada with a little help do Acordo de Dayton, 25 anos atrás.
Talvez você tenha uma vaga ideia de como seria contexto político no tempo em que o país fez parte da Iugoslávia, se puder lembrar das aulas de história. Mas para quem vive na Bósnia, esses acontecimentos ainda reverberam no dia a dia.
O país sobreviveu à Primeira Guerra Mundial, foi ocupado por nazistas durante a Segunda (e bombardeado até pelos aliados!), passou por diversos conflitos no período em que fez parte da Iugoslávia e encerrou o século em meio aos horrores da chamada Guerra da Bósnia – que também englobava Sérvios, Croatas, Montenegrinos… todas etnias que habitavam os Balcãs.

Alá, EUA e ONU
Segundo um dos senhores com quem conversei, a religião muçulmana chegava a ser confundida com nacionalidade nos tempos da Iugoslávia. Seus seguidores, ali chamados de Bosniacs, eram o mais numeroso grupo vivendo na região – realmente, avistei minaretes de mesquita em todas as cidades por onde passei. A presença maciça de muçulmanos originou uma série de “colaborações” vindas do Oriente Médio nos quase 3 anos da Guerra da Bósnia. Isso foi fator decisivo para causar uma intervenção dos Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas (ONU), que ainda mantém uma base no país.
Se você tinha idade suficiente nos anos 90, deve ter acompanhado o desenrolar desses conflitos pelo noticiário. Talvez até já tenha pesquisado sobre a música Miss Sarajevo, do U2… Mas dificilmente pensaria no país como destino principal para uma viagem de férias. Certo?
Triste Turismo
Uma história que não sai de minha cabeça foi contada pelo guia que do tour pelo centro de Sarajevo. Ele afirma que havia quem pagasse para participar dos ataques, com acesso a posições estratégicas durante o cerco à cidade, de onde atirariam em civis – muitas vezes mirando em crianças. Isso sem falar nos estupros em massa, realizados em nome de uma “limpeza étnica”.
Até hoje a guerra é uma espécie de triste atração turística na capital da Bósnia. As marcas de bombardeios permanecem nas construções e ruas da cidade, muitas vezes marcadas com uma espécie de cera vermelha. Por conta disso, elas são conhecidas como “flores de Sarajevo”.
Outro ponto muito visitado é o Túnel da Esperança, construído para ajudar as pessoas a escaparem do fogo cruzado pelo subterrâneo – até obterem ajuda da ONU no aeroporto. Segundo a recepcionista do hostel onde estávamos, as tropas inimigas descobriram o plano de construção desse túnel, mas não contavam que os Bósnios conseguiriam levá-lo adiante.
Depois de pegar um dos trams mais antigos da Europa e caminhar uns 2,5km na periferia da cidade sob o frio e chuva fina, foi emocionante atravessar essa passagem e ver os vídeos dessa época. Afinal, essa é uma guerra tão recente que tem muito mais imagens documentadas do que as que foram divulgadas no Brasil.
A Bósnia é verde
Por conta de tudo que expus até agora, a imagem que eu fazia do país era acinzentada – tanto por não entender bem o que acontecia por lá, quanto por só lembrar das cenas de guerra gravadas em VHS. Repensei esse preconceito quando estava morando na Croácia e assisti um vídeo com meus amigos pulando da ponte em Mostar.
Ao entrar na Bósnia , de carona com o caminhoneiro do depoimento lá em cima, me apaixonei pelo colorido das paisagens. Cheguei em Sarajevo com tempo cinza e chuvoso, mas pude atestar a beleza da cidade no dia ensolarado da minha travessia rumo ao norte – sempre cercada de verde por todos os lados.
A Bósnia é um país pequeno, que cruzei do sul ao norte em três pequenas jornadas. Um dia fui de Montenegro até Mostar, no outro de Mostar a Sarajevo e depois fui de Sarajevo a Belgrado, na Sérvia. Assim, pude passar pelas federações que fazem parte do país: Bósnia e Herzegovina, Srpska ou República Sérvia da Bósnia e o território neutro de Brčko. Essas federações são praticamente independentes, cada um com presidente, governo próprio, muita burocracia envolvida e até fronteiras internas. É difícil mesmo entender… Melhor lembrar que as pessoas querem honrar o compromisso de paz.
Pode parecer piegas, mas todo verde que vi na Bósnia me pareceu um grande símbolo de esperança. E isso me fez pensar no nosso verde Brasil, que tanto carece desse sentimento. Assim como todos os Bósnios com quem conversei, desejo que a paz seja mantida e que todos tenhamos um futuro melhor.
Beijos, Prats
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Algumas referências em Português:
- Se você tiver estômago e quiser ampliar a perspectiva sobre a Guerra da Bósnia, leia este dossiê.
- Belo texto sobre o contexto da música Miss Sarajevo
- Especial sobre o Acordo de Dayton, 20 anos depois.
- O assassinato de Franz Ferdinand.
2 Replies to “Mergulhando na Bósnia”